O artista plástico Aldemir Martins nasceu em Ingazeiras, no Vale do Cariri, Ceará em 8 de novembro de 1922. A sua vasta obra, importantíssima para o panorama das artes plásticas no Brasil, pela qualidade técnica e por interpretar o “ser” brasileiro, carrega a marca da paisagem e do homem do nordeste. O talento do artista se mostrou desde os tempos de colégio, em que foi escolhido como orientador artístico da classe. Aldemir Martins serviu ao exército de 1941 a 1945, sempre desenvolvendo sua obra nas horas livres. Chegou até mesmo à curiosa patente de Cabo Pintor. Nesse tempo, freqüentou e estimulou o meio artístico no Ceará, chegando a participar da criação do Grupo ARTYS e da SCAP – Sociedade Cearense de Artistas Plásticos, junto com outros pintores, como Mário Barata, Antonio Bandeira e João Siqueira. Em 1945, mudou-se para o Rio de Janeiro e, em 1946, para São Paulo. De espírito inquieto, o gosto pela experiência de viajar e conhecer outras paragens é marca do pintor, apaixonado que é pelo interior do Brasil. Em 1960/61, Aldemir Martins morou em Roma, para logo retornar ao Brasil definitivamente. O artista participou de diversas exposições, no país e no exterior, revelando produção artística intensa e fecunda. Sua técnica passeia por várias formas de expressão, compreendendo a pintura, gravura, desenho, cerâmica e escultura em diferentes suportes. Aldemir Martins não recusa a inovação e não limita sua obra, surpreendendo pela constante experimentação: o artista trabalhou com os mais diferentes tipos de superfície, de pequenas madeiras para caixas de charuto, papéis de carta, cartões, telas de linho, de juta e tecidos variados - algumas vezes sem preparação da base de tela - até fôrmas de pizza, sem contudo perder o forte registro que faz reconhecer a sua obra ao primeiro contato do olhar. Seus traços fortes e tons vibrantes imprimem vitalidade e força tais à sua produção que a fazem inconfundível e, mais do que isso, significativa para um povo que se percebe em suas pinturas e desenhos, sempre de forma a reelaborar suas representações. Aldemir Martins pode ser definido como um artista brasileiro por excelência. A natureza e a gente do Brasil são seus temas mais presentes, pintados e compreendidos através da intuição e da memória afetiva. Nos desenhos de cangaceiros, nos seus peixes, galos, cavalos, nas paisagens, frutas e até na sua série de gatos, transparece uma brasilidade sem culpa que extrapola o eixo temático e alcança as cores, as luzes, os traços e telas de uma cultura. Por isso mesmo, Aldemir é sem dúvida um dos artistas mais conhecidos e mais próximos do seu povo, transitando entre o meio artístico e o leigo e quebrando barreiras que não podem mesmo limitar um artista que é a própria expressão de uma coletividade. Falece em 05 de Fevereiro de 2006, aos 83 anos, no Hospital São Luís em São Paulo. UMA BREVE CRONOLOGIA 1922 – Nasce em Ingazeiras, sertão do Cariri, Ceará , em 08 de novembro. 1942 – Funda o Grupo Artys e SCAP (Sociedade Cearense de Artistas Plásticos) com Mário Barata, Barbosa Leite, Antonio Bandeira. 1943 – Salão de Abril – III Salão de Pintura do Ceará. 1945 – Muda-se para o Rio de Janeiro. Exposição coletiva na Galeria Askanasi – RJ 1946 – Muda-se para São Paulo. 1947 – Exposição Coletiva 19 pintores – 3o. prêmio 1948 – Exposição na Galeria Domus, São Paulo, com Mário Gruber e Enrico Camerini. 1951 – Prêmio de desenho na Bienal de São Paulo, com “O Cangaceiro”. 1953 – Pintores Brasileiros, Tóquio, Japão. 1954 – Gravuras Brasileira, Genebra, Suíça. 1955 – Bienal Internacional de Desenho e Gravura de Lugano, Suíça.- V Salão Baiano de Artes Plásticas, Salvador, Bahia. 1956 – Medalha de Ouro no V Salão Nacional de Arte Moderna no Rio de Janeiro - XXVIII Bienal de Veneza, Itália – Prêmio “Presidente Dei Consigli dei Ministeri”, atribuído ao melhor desenhista internacional. 1957 – Exposição de gravuras no “Circolo dei Principi”, Roma, Itália, com Lívio Abramo. - VI Salão de Arte Moderna, Rio de Janeiro. 1958 – Festival Internacional de Arte, Festival Galleries, Nova Iorque, Estados Unidos. - VIII Salão Nacional de Arte Moderna, Rio de Janeiro. 1959 – Prêmio de viagem ao Exterior do VIII Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro. - Exposição individual no Museu de Arte Moderna da Bahia. 1960 – Exposição coletiva Artistas Brasileiros e Americanos, Museu de Arte de São Paulo. 1961 – Exposição de desenhos e litografias na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, Portugal. 1962 – Exposição individual na Sala Nebili, Madri, Espanha. - Exposição coletiva “Brasilianische Kunstler der Gegenwart”, Kassel, Alemanha. 1965 – Exposição individual no Instituto de Arte Contemporânea, Lima, Peru. 1968 – Primeiro prêmio por grafia na Bienal Internacional de Veneza de 1946 a 1966. 1970 – Panorama da Arte Atual Brasileira – Pintura 70, Museu de Arte Moderna de São Paulo. 1975 - XIII Bienal de São Paulo – Sala Brasileira. 1978 - Retrospectiva 19 pintores, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. 1980 – Exposição circulante, coletiva, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. - Coletiva 48 artistas, na Pinacoteca do Estado, São Paulo. 1981 – Exposição de pinturas, desenhos e esculturas no Museu de Arte da Bahia. 1982 – Internacional Arte Expo, Estocolmo, Suécia. 1984 – Coletiva – A Cor e o Desenho no Brasil, Museu de Arte Moderna de São Paulo. - Individual de pintura, desenho e gravura – Arte Amazônica, Nova Iorque, Estados Unidos. - Tradição e Ruptura – Fundação Bienal de São Paulo. 1985 – Lançamento do livro “Aldemir Martins, Linha, Cor e Forma”. 1988 – Comemoração de 30 anos da SCAP – Sociedade Cearense de Artistas Plásticos - Fortaleza, Ceará. - Os Muros de Maison Vogue, MASP – Museu de Arte de São Paulo 1989 – O Nordeste de Aldemir Martins, Espace Latin-American, Paris, França. Algumas obras de Aldemir Martins |
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Aldemir Martins
ALFREDO VOLPI
Mesmo tendo nascido na Itália, de onde foi trazido com menos de dois anos, Volpi é um dos mais importantes artistas brasileiros deste século. Antes de mais nada, trata-se de um pintor original, que inventou sozinho sua própria linguagem. Isso é muito raro na arte produzida em países do terceiro mundo, cuja cultura erudita sempre deve algo a modelos internacionais. Diferentemente das de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, cujas analogias estilísticas com Léger e Picasso são reais, a pintura de Volpi não se parece com a de ninguém no mundo. Pode, quando muito ter, às vezes, um clima poético próximo ao da pintura de Paul Klee - mas sem semelhanças formais.
Embora fosse da mesma geração dos modernistas, Volpi não participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Dela estava separado, em primeiro lugar, por uma questão de classe social. Imigrante humilde, lutava arduamente pela vida no momento em que os intelectuais e os patronos da "Semana" a realizaram. Era um simples operário, um pintor/decorador de paredes, que pintava os ornamentos murais, frisos, florões etc., usados nos salões dos palacetes da época. Acima de tudo, esse dado tem uma importância simbólica. Mostra que a trajetória de Volpi foi desde sempre independente de qualquer movimento, tendência ou ideologia.
Auto-didata, Volpi começou, na juventude, fazendo pequenas e tímidas telas do natural, nas quais às vezes se nota um toque impressionista. Na década de 30, sua pintura adquire um sabor claramente popular - embora permaneça, ao mesmo tempo, paradoxalmente, sempre concisa, sem a menor prolixidade nem retórica. É a década de 40 que marca sua decisiva evolução em direção a uma arte não representativa, não mimética, independente da realidade contemplada.
Volpi passa a trabalhar de imaginação, no atelier, e produz marinhas e paisagens cada vez mais despojadas, que acabam se transformando em construções nitidamente geométricas - as chamadas "fachadas". É como se o artista refizesse sozinho, por si mesmo, todo o caminho histórico da primeira modernidade, de Cézanne a Mondrian. Sua linguagem não se parece com a desses mestres, mas os propósitos são os mesmos: libertar-se da narrativa e construir uma realidade pictórica autônoma do quadro. Cada tela, nessa época, parece sair exatamente da anterior, num processo contínuo e linear. Através dessas paisagens, que na passagem aos anos 50 se transformam em fachadas, Volpi chega, em 1956, à pintura abstrata geométrica - mas não porque ela está na moda e virou objeto de polêmica, e sim como conseqüência inexorável de sua própria evolução.
A fase rigorosamente abstrata é curtíssima. Dos anos 60 em diante, Volpi fez uma síntese única entre arte figurativa e abstrata. Seus quadros admitem uma leitura figurativa (nas "fachadas", nas famosas "bandeirinhas"), mas são, essencialmente, apenas estruturas de "linha, forma e cor" - como ele mesmo insistia em dizer.
Também ímpar é a síntese que faz entre suas origens populares e uma produção formalmente muito requintada, sem dúvida erudita. Finalmente, ele concilia e sintetiza brasilidade e universalidade. Pode-se dizer que o projeto estético procurado por Tarsila e articulado e explicitado por Rubem Valentim foi realizado na plenitude por Volpi, de maneira não intelectual e sim prodigiosamente intuitiva.
Fonte: www.mre.gov.br
ALFREDO VOLPI
Volpi nasceu em Lucca, na Itália, em 1896.
Filho de imigrantes, chegou ao Brasil com pouco mais de um ano de idade. Foi decorador de paredes. Aos 16 anos pintava frisos, florões e painéis. Sempre valorizou o trabalho artesanal, construindo suas próprias telas, pincéis. As tintas eram feitas com pigmentos naturais, usando a técnica de têmpera.
Foi um auto didata. Sua evolução foi natural, tendo chegado à abstração por caminhos próprios, trabalhando e dedicando-se a essa descoberta. Nunca acreditou em inspiração.
Alfredo Volpi não participou dos movimentos modernistas da década de 20, apoiados pela elite brasileira. Manteve-se à parte desses grupos. Não teve acesso aos mestres europeus, como era comum na época.
Formou, na década de 30, o Grupo Santa Helena que com outros pintores,- Rebolo, Graciano, Zanini, Bonadei, Pennacchi,- constituiram um trabalho voltado para a pesquisa, desenvolvimento de técnicas apuradas e observação.
Na década de 40, através das paisagens de Itanhaém, seu novo caminho pictórico começou a se mostrar. Abandonou a perspectiva tradicional, simplificou e geometrizou as formas. Mais tarde, chegou à abstração. Após seu encontro com o pintor italiano Ernesto De Fiori, seus gestos ficaram mais livres, dinâmicos e expressivos. A cor, mais vibrante.
Nos anos 50, as bandeirinhas das festas juninas, de Mogi das Cruzes, integraram-se às suas fachadas. Posteriormente, destacou-as do seu contexto original. A partir da década de 60, suas pinturas são jogos formais: todos os temas são deixados de lado e as bandeirinhas passaram a ser signos, formas geométricas compondo ritmos coloridos e iluminados
Volpi morreu aos 92 anos, em 1988, em São Paulo.
WALTER SALLES Cineasta e documentarista: 1956 - ...
QUANDO TUDO ACONTECEU... Walter Moreira Salles Jr. nasceu no dia 12 de abril de 1956 na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Filho do diplomata e banqueiro Walther Moreira Salles e Elisa Margarida Gonçalves. Tem dois irmãos: o economista, Pedro, e o documentarista João Moreira Salles diretor de filmes como “Entreatos”, “Nelson Freire” e “Notícias de uma guerra particular”. Além de um terceiro irmão, o editor Fernando Roberto, filho de seu pai com a primeira mulher, Hélène Marie Tortoise. Salles foi criado no Brasil, na França e nos Estados Unidos. Fala fluentemente português, francês, inglês e espanhol. - 1962 : Aos seis anos de idade muda-se para Paris. - 1969 : Volta a morar no Rio de Janeiro, onde cursa economia na PUC. Em seguida, muda-se para os Estados Unidos, onde realiza um mestrado em comunicação audiovisual na Universidade da Califórnia. -1983 a 1993 : No Brasil, realiza a série de entrevistas “Conexão Internacional”, além de especiais e documentários para televisão, principalmente ligados à música (Chico Buarque, Marisa Monte, Caetano Veloso, Tom Jobim, João Gilberto), às letras (Jorge Luis Borges) e às artes (Tomie Ohtake, Rubens Gerchman, Federico Fellini, Vittorio Gassman, Marcello Mastroiani). Salles vai dedicar especial atenção ao escultor de origem polonesa Franz Krajcberg com dois documentários: “Krajcberg - O Poeta dos Vestígios” em 1987, e mais tarde em 1995, “Socorro Nobre”. - 1985: Funda no Rio de Janeiro com o irmão, João Moreira Salles, a produtora VideoFilmes. - 1989/91: Seu début cinematográfico acontece em grande estilo à frente de uma produção internacional baseada no famoso livro de Rubem Fonseca, “A Grande Arte”. O filme rodado no Brasil, mas falado em inglês e português, conta com um cast igualmente internacional encabeçado pelo ator americano Peter Coyote, o francês Tcheky Karyo e a atriz inglesa Amanda Pays. Em papéis secundários estavam os atores brasileiros Raul Cortez, Cássia Kiss e Giulia Gam. A experiência infelizmente não dá certo e o filme se revela, ao contrário do livro, um fracasso de bilheteria, além de ser mal recebido pela imprensa nacional e estrangeira. Mais tarde Salles vai classificar o filme como “feito por encomenda” e não considerá-lo como seu longa de estréia. Com o fracasso do filme e posteriormente do próprio cinema brasileiro durante o governo Collor no início dos anos 90, Salles volta à televisão, aos filmes publicitários e ao documentário. - 1995: Lança, seis anos depois, em co-direção com a cenógrafa Daniela Thomas, seu segundo longa de ficção, “Terra Estrangeira”. O filme de baixo custo, realizado em 16mm e rodado em São Paulo, Cabo Verde e Lisboa, se torna um sucesso de público e crítica e será um dos responsáveis pelo “renascimento” do cinema brasileiro. O roteiro retrata a crise econômica que abateu o país na volta do regime democrático no final dos anos 80, quando milhares de brasileiros, em busca de melhores condições de vida, imigraram ilegalmente para os Estados Unidos e Portugal. Com diálogos como: “meu sotaque é uma ofensa ao ouvido deles”, “mais o tempo passa, eu me sinto mais estrangeira”, o filme mostra muito da própria experiência pessoal dos diretores. Assim como Salles, Daniela Thomas morou muito tempo fora do Brasil, foram nove anos vivendo em Londres e Nova York, onde realizou estudos nas áreas de cinema e teatro. As temáticas presentes no filme como o exílio, a errância e a busca da identidade se revelarão uma constante nos trabalhos de Salles. O filme marca também o início de uma importante parceria com o diretor de fotografia Walter Carvalho. - 1994: Bicampeão de kart da cidade do Rio de Janeiro e campeão paulista de Fórmula Super Kart Senior. - 1996: Baseado no argumento de Salles, o roteiro de “Central do Brasil” ganha o prêmio de incentivo à realização do Sundance Institute, coordenado pelo ator e diretor americano Robert Redford. A partir de então, começa uma frutífera parceria entre os dois cineastas. -1998: Alcança sucesso internacional com “Central do Brasil” e se torna um dos nomes mais cotados no mercado cinematográfico. O diretor e a atriz veterana Fernanda Montenegro após ganharem os maiores prêmios em Berlim, vão a Hollywood onde recebem o Globo de Ouro da imprensa internacional e duas indicações ao Oscar: melhor atriz e melhor filme estrangeiro. O filme mostra a decadência moral causada pela crise econômica e a busca da identidade. - 1999 a 2003: Escreve uma coluna quinzenal para o jornal Folha de São Paulo. Os textos são geralmente crônicas sobre a sua experiência no cinema e na televisão, e críticas de filmes, televisão, artes e literatura. - 2002: Produz outro estrondoso sucesso do cinema brasileiro. “Cidade de Deus” dirigido por Fernando Meirelles e Kátia Lund é visto por mais de três milhões de brasileiros e inaugura uma nova fase de “industrialização e produção” do cinema nacional. A qualidade técnica do filme é reconhecida mundialmente e indicado a quatro prêmios no Oscar: direção, roteiro adaptado, fotografia e montagem. A VideoFilmes é responsável também por outros sucessos do cinema brasileiro como “Notícias de uma guerra particular” de João Moreira Salles e Kátia Lund, “Madame Satã” de Karim Ainouz, “Edifício Master” de Eduardo Coutinho e recentemente “Cidade Baixa” de Sergio Machado e “Casa de Areia” de Andrucha Waddington. - 2003: Dirige “Diários de motocicleta”, filme baseado no livro de viagem do jovem e futuro revolucionário Che Guevara. O filme, produzido por Redford, é todo falado em espanhol e interpretado por atores latino-americanos, uma exigência de Salles. - 2005: Faz sua estréia como diretor hollywoodiano: “Dark Water”, estrelado pela oscarizada Jennifer Connely, John C. Reilly, Dougray Scott, Pete Postlethwaite e Tim Roth. O filme é uma refilmagem de um mega-hit do terror japonês voltado para o grande público e com lançamento previsto para as férias do verão americano. |
FAMÍLIA |
Salles vem de uma família de economistas. Desde o tempo do seu avô paterno, João, um próspero comerciante do sul de Minas no início do século passado, na pequena cidade de Cambuí, distrito de Pouso Alegre. Em 1924 na cidade de Poços de Caldas (MG) abre uma casa bancária que passa ao filho Walther, que irá transformá-la nos 70 em um dos maiores conglomerados bancários do Brasil, o grupo financeiro Unibanco. Mas, Walther pai também é bem sucedido como diplomata do Brasil nos Estados Unidos e Europa desde os anos 50, no governo de Getúlio Vargas. A mãe, Elisa Margarida, falecida em 1988, era filha de comerciantes portugueses e ex-aluna do colégio Sion no Cosme Velho no Rio de Janeiro. Ela era secretária do presidente da Superintendência da Moeda e Crédito do governo Vargas no início dos anos 50, quando conhece e se casa com o então embaixador Walther Moreira Salles, de quem se divorciaria nos anos 70. Moreira Salles é lembrado como o grande diplomata que negociou a dívida brasileira internacional logo antes do golpe militar de 1964. Além de ser um homem de influência política era também amante da cultura. Conhecia muitas personalidades importantes do mundo das artes e da cultura e, dava festas suntuosas onde misturavam artistas e políticos nacionais e estrangeiros. Salles não se priva de recordar fatos sobre a vida de seu pai, como este que ocorreu quando ele era pequeno e narrado em sua última crônica quinzenal para o jornal Folha de São Paulo em dezembro de 2003, intitulada Pais e Filhos: “Estamos em Pouso Alegre, em 1917. Cidade de 500 habitantes, poucos serviços básicos. Naquele momento, o menino de cinco anos que meu pai foi está prestes a ser enviado para cursar o primário numa cidade maior, Poços de Caldas, e não está gostando nada dessa idéia. (...) O trajeto, feito a lombo de burro, demora oito horas. João, meu avô, então dono de um armazém de secos e molhados, improvisa uma cesta de palha para aninhar o menino durante o percurso. O tempo passa. (...) Abre a tampa do cesto e desvenda aquilo que lhe era desconhecido. O horizonte. Pela primeira vez, consegue mirar além das montanhas que delimitavam a sua percepção do mundo. E o menino apaixona-se por aquilo que vê. (...) O homem no qual o menino se transformou não está mais aqui. Hoje, o seu filho escreve essas linhas em um aeroporto, a caminho de Buenos Aires. Quartos de hotel, aeroportos, estradas. Percebe que seus cabelos também estão ficando grisalhos. No sentido inverso ao do pai, o filho sente falta das montanhas que delimitam um território onde é possível assentar-se, mesmo que na penumbra da memória.” Estão presentes neste trecho duas características fortes do trabalho e da vida de Salles: a viagem e o pertencimento. Se a viagem nos traz coisas boas, a sua constância nos coloca em relatividade com o mundo. Como então, falar de pertencimento se tudo ao redor é tão estrangeiro quanto familiar? Entretanto, não ter uma memória do lugar de pertencimento, se equivale a dizer que este lugar não existe ou que ele é fluido. Mas, as montanhas mineiras do Walther pai, não se equiparam as montanhas cariocas do Walter filho? A certeza do pertencimento vem, entretanto, da origem familiar: “Se é verdade que, como sugere Borges, somos ao mesmo tempo e a cada instante aquilo que já fomos e aquilo que um dia seremos, então esse terá sido um momento de síntese. O instante em que o futuro se projetou em direção ao passado. Penso que o homem que meu pai foi nunca deixou de ser, intrinsecamente, aquele menino que abriu o cesto de palha, que se encantou com o que viu, mas continuou a preferir pastel de queijo Minas com arroz e feijão a qualquer outra iguaria.” Apesar de Central do Brasil falar da busca do pai ausente, o filme é dedicado a três mães: “São minha mãe, Elisa, que morreu há dez anos; Meminha, que me criou desde algumas semanas de idade – morreu dois ou três anos depois de minha mãe – e Ieda, uma terceira mãe que nós tivemos, e que faleceu no ano passado [1997].” A base familiar está presente também no trabalho com o irmão João, com quem divide a sociedade da produtora VideoFilmes, assim como inúmeras produções para a televisão e o cinema. | |
O CINEMA E SEUS MESTRES | |
Salles começa sua relação com o cinema ainda bastante jovem. “Os primeiros filmes que vi, e dos quais me recordo, passavam todos no mesmo cinema. Eu tinha seis ou sete anos de idade e fui morar por um período de sete anos na França. Em baixo do apartamento onde morava, havia uma sala de cinema que passava programas duplos. Os primeiros filmes que vi foram westerns, não somente de Ford, Hawks, Anthony Mann, mas também os primeiros filmes de Sergio Leone.” Aos onze anos de idade, Salles já havia visto boa parte do Neo-realismo italiano (Rosselini, De Sica, Fellini, Visconti) e aos doze, os filmes da Nouvelle Vague (Godard, Truffaut) em Paris. “Rosselini quando tira a câmera do estúdio e mostra a vida na rua, ele redefine não somente uma estética cinematográfica, mas também uma ética cinematográfica,” recorda Salles. Aos treze anos de volta ao Brasil, conhece os filmes do Cinema Novo, nas sessões da cinemateca do MAM no Rio. Aos 16 anos descobre os russos (Eisenstein, Pudovkin) e mais tarde o jovem cinema alemão (Fassbinder, Wenders). Os filmes mais antigos do cinema brasileiro, Salles conhecerá aos vinte e poucos anos através do vídeo: Limite de Mario Peixoto, que vai se tornar uma importante referência e trabalho de pesquisa, e a obra de Humberto Mauro. Recentemente é o humanismo e a simplicidade do cinema iraniano (Kiarostami, Makhmalbaf, Panahi) que chama a atenção do cinéfilo diretor. Ele elege os seus filmes mais importantes e entre eles estão os do cineasta italiano Michelangelo Antonioni. “Quando eu tinha em torno de 16 anos, vi O passageiro: profissão repórter, de Antonioni, e a trilogia da identidade antonionesca (Blow up,Zabriskie Point e O passageiro). Mas, se existe algum filme que me deu vontade de fazer cinema, foi sem dúvida O passageiro.” Seus filmes preferidos são o filme mudo "Limite" (1930) do diretor estreante de 21 anos, Mario Peixoto, "O Passageiro - Profissão: Repórter" (1975) de Antonioni e o documentário "O Homem de Aran" (1934) do documentarista americano, Robert J. Flaherty. Em Terra Estrangeira, segundo Salles, havia o desejo de homenagear o Neo-realismo italiano, o Cinema Novo (a urgência e o desejo de se falar da identidade brasileira), os primeiros filmes de Wim Wenders (cenas de estrada) e principalmente, Antonioni (os espaços vazios e o não-dito). |
CINEMA DE URGÊNCIA | |
Terra Estrangeira é na verdade resultado do que Salles classifica como cinema de urgência. A opção pelo baixo custo (orçado em 420mil dólares – um décimo do orçamento do primeiro longa, “A grande arte”) vem desta exigência de retratar o tempo presente ou mais precisamente os fatos recentes de um momento crucial da nova vida democrática brasileira. O caos econômico, as promessas do governo, as mudanças repentinas do dia-a-dia do brasileiro, faz surgir a necessidade de partir e conquistar novas oportunidades econômico-sociais. Este era o retrato do início da década de 90 no Brasil. O curto período que o ex-presidente Collor de Mello ficou no poder (1990-92) será para sempre lembrado na história do cinema brasileiro. Não tão somente por se tornar tema de um dos filmes que fará ressurgir o cinema nacional, mas como aquele que colocou a produção nacional a zero. Se em 1980 eram produzidos cerca de cem filmes por ano em 1990 esta produção cai para apenas um filme. Terra surge num momento de crise, daí a sua urgência, mas como ponto de reflexão sobre aquele momento e não como fato histórico. Essa urgência demandava um outro esquema de produção – que não era mais o mesmo de “A grande Arte” –, demandava também uma outra estética – mais próxima dos personagens e que mostrasse esse movimento –, câmera na mão, formato 16, equipe pequena e muita coesão entre os atores e a direção. Pela primeira vez Salles iria dividir a direção de um filme. Daniela Thomas, mais conhecida pelos seus trabalhos como cenógrafa das peças de seu ex-marido Gerald Thomas, se adaptou também ao esquema do projeto do filme. De cenógrafa, ela passou à co-diretora e co-roteirista, em companhia de Salles, Marcos Bernstein e Fernanda Torres. Um casal à deriva como um navio emborcado na praia, era essa a imagem de onde surge o filme, definida pela equipe como um “emblema do exílio”. Não mais o exílio político dos anos de ditadura, mas um novo, econômico, que vinha transformando o Brasil dos anos noventa num país de emigração, pela primeira vez em quinhentos anos. “Aqui surge a imagem da terra estrangeira como uma solução, também idealizada, para a ausência de perspectiva, de auto-imagem, de identidade”, dizem os diretores. O filme foi inspirado, também, no verso do poeta português, Fernando Pessoa: “viajar, perder países”. |
CINEMA BRASILEIRO | |
Terra Estrangeira é considerado pelos críticos e estudiosos como um dos filmes (junto com “Carlota Joaquina – A princesa do Brazil” de Carla Camurati – um sucesso de público na época, quando a sua diretora afrontou o esquema de distribuição de filmes, e pessoalmente o distribuiu em todo Brasil e fez quase um milhão de espectadores) que inaugura o movimento da retomada do cinema brasileiro. No entanto, Salles não acredita em renascimento algum. Segundo ele, uma cinematografia não renasce com tão poucos filmes, ela é fruto de uma constância maior e mais representativa de um cinema nacional.Já Daniela Thomas acredita em um renascimento do cinema brasileiro nos anos 90, mas não enquanto um movimento cinematográfico, pois “é um cinema sem escola, um cinema sem nenhum vínculo ideológico, sem nenhuma discussão. É um renascimento quantitativo, ou seja, há filmes sendo feitos. Não existe um fórum de debates sobre cinema. Simplesmente estamos fazendo filmes, e esse é o nosso único vínculo: estamos geográfica e temporalmente envolvidos em cinema”, diz a diretora. No entanto, Thomas consegue definir traços comuns entre os filmes realizados: “O tipo de cinema que está sendo feito é calcado na teledramaturgia, usa os atores globais [de telenovelas], não busca a cara do filme em rostos novos, desconhecidos.” Apesar de haver também, os independentes, “aqueles que tentam forjar uma nova maneira de realizar cinema no Brasil”. Para se forjar realmente uma nova cinematografia, Salles vê na qualidade estética e de produção como marcas essenciais. “Sem ousadia, sem desejo de redefinição da narrativa cinematográfica e sem vontade de transgredir, uma cinematografia não se renova”, conclui o diretor. De todos os ciclos cinematográficos, aquele que Salles tem maior admiração é o Cinema Novo, por ter justamente colocado “o rosto do Brasil na tela”. | |
CINEMA DA IDENTIDADE | |
Enquanto que em Terra a câmera era urgente, por isto no ombro e em movimento constante, em Central do Brasil é o cinemascope, os planos fixos e os travellings lentos que discorrem e narram o espaço. O começo do filme se passa na estação, em um lugar bem fechado, usa-se a tele, focam-se os rostos, o quadro tem pouca profundidade de campo. “O fundo é desfocado significando a perda da identidade”, diz Salles (Extras do DVD Central do Brasil). À medida que os personagens ganham a estrada e defrontam com o desconhecido, a geografia vai se sobrepondo, não somente física, mas também humana. Os personagens se defrontam com o desconhecido. Eles vão se re-sensibilizando e começam a olhar e a ver o entorno. O filme ganha profundidade de foco e passa a descrever o espaço. Ele ganha foco, as lentes de 300 do início passam a ser 21 no final. O mesmo para o som que é caótico, e vai se tornando mais puro. O cinemascope entra com a possibilidade de inscrever os personagens naquela geografia, de maneira mais fluida e dinâmica, sem a necessidade de cortes e contra-planos. Salles não nega a influência do Cinema Novo em Central. Na verdade, segundo ele, aqueles rostos e paisagens nordestinas são uma espécie de releitura e homenagem, principalmente, a Nelson Pereira dos Santos e a Vidas Secas. É um outro sertão, aquele midiático, cinematográfico, comprometido com a história e com o imaginário brasileiro. Talvez através deste viés, a busca identitária fica mais clara e patente, caso este sertão não pertence somente aos nordestinos, mas a toda uma nação. O embate e dramas dos personagens é também uma leitura da sociedade brasileira. O menino, Josué, que poderia ser um engraxate como o próprio ator Vinícius de Oliveira (Salles o descobriu por acaso no aeroporto Santos Dumont no Rio), é quem mantém a esperança e não cai em desgraça. Após a morte da mãe, ele parte em busca do pai, de suas origens. Ele é quem transforma a vida da escritora de cartas, e a faz ver o de outra maneira. É ela quem sofre com a mudança do espaço, enquanto que o menino vai em busca de seu sonho, a de encontrar o pai. Para Dora é o desconhecido, daí a possibilidade de re-sensibilização e redenção através de uma geografia completamente fora de seu controle. Ela também gostaria de ter partido um dia em busca de seu pai quando este abandonara a família: “Eu tenho saudade do meu pai. Eu tenho saudade de tudo”, diz na carta que escreve ao menino. A história se repete/reflete entre Dora e Josué, entre Josué e Vinícius, entre Retomada e Cinema Novo, entre Salles pai e filho, entre ficção e arte. | |
CINEMA HUMANISTA | |
O que interessa a Salles é um cinema engajado, seja numa postura estética ou política. Ele não tem medo ou pudor intelectual de mostrar o sentimento ou a emoção humana em seus filmes, muitas vezes qualificada pela crítica como “glamourização da pobreza”, “estetização da fome” ou ainda, na sua caracterização do Brasil, como o de “país artificial”. Para outros críticos, no entanto, essa emoção e comoção nas quais se concentram os seus filmes são as suas maiores qualidades. Curiosamente, essa mesma crítica “glamourização estética da pobreza” se faz ao trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado em seus projetos como, Migrações, O mundo do trabalho ou Terra. A estética humanista de Salles ou de Salgado é considerada por muitos como um falseamento da realidade. Mas, é sobretudo em busca da “verdade” dessa realidade que buscam seus autores. É notório, em caso de ambos, o empenho que realizam na pesquisa e preparação de seus trabalhos. Salgado passa até sete anos na realização de um projeto, convivendo com os seus fotografados, com os quais ele não se priva de se identificar. Enquanto Salles percorre dezenas de cidades em busca de locações, e emprega não-atores, como no caso do menino-protagonista de Central do Brasil. Em Diários, a busca do cenário original da história do jovem revolucionário argentino, Che Guevara, em sua primeira viagem pela América Latina, levou Salles e equipe a percorrer mais de 20.000 km por terra, além de 42 trajetos de avião cumpridos durante a filmagem e a preparação: Buenos Aires, Miramar, San Bernardo, Villa La Angostura, Mendoza, Cuyin Manzano, Lago Frias, na Argentina. Temuco, Lautaro, Freire, Valparaíso, Chuquicamata, deserto de Atacama, no Chile. Cuzco, Machu Picchu, Ollantaytambo, Lima, Iquitos, Santa Maria, no Peru. A equipe foi qualificada por Salles como uma babel fílmica, onde se reuniam pessoas de 12 países diferentes. “Aprendemos a conviver uns com os outros, a ser mais tolerantes, a aceitar nossas diferenças”, relata Salles. A busca também foi por uma língua, o espanhol. A intenção era ser o mais fiel possível ao personagem e aquela dimensão geográfica. Ele opta pela primeira vez em não filmar em português e tampouco em inglês, a língua do mercado internacional e do produtor, o ator americano Robert Redford. O filme humaniza o personagem do Che e se concentra na dimensão humana dos dois protagonistas, Che e seu amigo, Alberto Granado. Em busca dessa “verdade” o filme insere fotos da época, o que reforça o aspecto “documental” do filme. Percebe-se nas falas de Salles, uma forte identificação com o personagem/filme: “Nós fomos tomando consciência que as fronteiras eram mais imprecisas do que nós imaginávamos. Minha visão da realidade com certeza mudou durante a filmagem”. Tanto o personagem do Che busca uma identidade latino-americana que ele apenas desconfiava existir antes de seu périplo iniciático, quanto o cineasta busca uma verdade na imagem que ele cria. Alguns disseram que o filme dá um rosto à América Latina. No entanto, o tipo de cinema humanista de Salles é próximo ao cinema “documentário” direto, na busca ao invés de retratar o personagem tenta descrevê-lo. Ele não constrói uma imagem dos personagens, mas a câmera acompanha os seus movimentos. Ela move, corre, cai, se comove, ela se torna histórica e em preto e branco. O cinema de Salles se opõe àquele de uma construção qualquer já dada, mas apresenta-se em construção do de dentro em direção ao fora (de quadro). Estamos diante de uma obra essencialmente humanista? Sim, se considerarmos que ela ressalta e valoriza os valores humanos e sociais e, além disso, critica e denuncia a amoralidade de uma sociedade “outra”. Sobretudo, o fato de apresentar o homem útil à sociedade como trabalhador, como indivíduo atuante ou, ainda, o homem como pessoa sensível. Vemos essa busca de humanidade e da integridade pessoal e social nos mais variados personagens dos filmes de Salles, como quando Dora desiste da venda do menino, e o ajuda a procurar o pai em Central. Quando Che se recusa a usar luvas, que eram apenas uma convenção social do que propriamente uma proteção, no tratamento dos leprosos em Diários. Ou, quando o preso-foragido salva a personagem suicida em O primeiro Dia. Os gestos em direção ao outro por respeito ou compaixão, estão sempre lá nos fazendo tomar consciência do mundo em que vivemos e nos lembrando de nossas limitações diante da imponderável desumanização social. | |
ERRÂNCIAS | |
A carreira profissional de Salles, como produtor e cineasta, já percorreu vários caminhos desde o documentário – o que poderíamos classificar como a sua base e escola –, musicais e especiais para televisão, até filmes publicitários (campanhas para marcas de roupas como a Fórum ou de perfumes como Boticário, etc). Desses trabalhos muitos são considerados como “feito por encomenda” (onde suas opções estéticas e criativas são limitadas), nesta categoria entraria também o seu primeiro longa de ficção “A grande arte”. No entanto, em alguns desses trabalhos feitos por encomenda, é preciso separar aqueles em que o cineasta teve uma liberdade criativa. Neste caso inclui-se o longa metragem O primeiro dia, originado do média-metragem “Meia-noite”, feito para o canal de televisão franco-alemã, Arte. Ou ainda o episódio “20ème arrondissement” para o projeto “Paris, je t’aime”. Com uma carreira reconhecida e premiada mundialmente e com acesso a esquema que envolve produtores internacionais como o suiço Arthur Cohn e o americano Redford, além de franceses, alemães, entre outros, ele conquistou a tal “liberdade de criação”. Resta saber o que levou Salles a desbravar águas nunca dantes navegadas como na refilmagem do terror japonês, Dark Water (Água Escura)? O filme realizado para ser um mega-hit-blockbuster do verão americano de 2005, foi financiado pelos mesmos produtores de “O chamado” 1 e 2 – também refilmagens de dois filmes do mesmo diretor japonês Hideo Nakata. Talvez uma vontade de mudança de perspectivas, de desafio ou mesmo de exercício de estilo e do gênero. A verdade é que “Água escura” muda radicalmente a trajetória temática dos filmes de Salles. Além de, pela primeira vez, dirigir um filme todo falado em inglês e com estrelas de Hollywood. Em sua coluna para o jornal Folha de São Paulo, em junho de 2003 (nesta época ele havia acabado as filmagens de Diários na Amazônia peruana e começava a edição do filme nos EUA), Salles anunciava o diretor Nakata como a mais nova sensação do cinema japonês e que renovou o gênero terror: “É um asceta, um cineasta de grande rigor conceitual, que despreza a tecnologia de ponta e acha que efeito especial é golpe abaixo da cintura. No ano passado, Nakata realizou o mais belo e crepuscular de seus filmes: “Água Escura”, um clássico do gênero. “Água Escura” é fundamentado em personagens sólidos, realistas. O clima de angústia e solidão passa a envolver o espectador de forma hipnótica e irreversível – tão irreversível quanto a angústia humana no Japão pós-moderno.” Salles classifica ainda a direção de Nakata como forma minimalista e sofisticada de narração. E, ele cita o próprio diretor: “Abordei o cinema de terror de forma atípica, documental”, diz Nakata. “Penso que os espectadores estão paralisados pelos filmes hollywoodianos, intoxicados pelos efeitos especiais e pelo excesso de estímulos sonoros. Prefiro suscitar a emoção pelo caminho contrário. Cortando a música, em vez de aumentar o volume”. Seja por uma questão monetária ou de contratos, seja por um exercício de gênero, seja por admiração ao trabalho do diretor japonês, ou mesmo pelo desafio de tentar outros caminhos... o filme poderá elevar e muito o “poder” de produção do cineasta brasileiro. Vários países e exílios, várias línguas e culturas, por que não vários estilos cinematográficos, o que significa ecletismo e diversidade, sem falsa modéstia ou preconceitos estéticos... significa também algo muito próximo de uma personalidade marcada pelos caminhos do exílio... a não-distinção de fronteiras. Os indícios do exílio estão por toda parte e em lugar nenhum. Filmografia2005 Realiza o episódio "20ème arrondissement", co-direção Daniela Thomas, com Gael Garcia Bernal e Eva Green. O episódio de cinco minutos faz parte do longa Paris, je t'aime, sobre a relação da cidade luz com a pluralidade do cinema. Os 20 bairros (arrondissements) da cidade de Paris serão retratados através de pequenas histórias de amor dirigidas por outros 19 diretores internacionais entre eles Jean-Luc Godard, Olivier Assayas, Joel e Ethan Coen, Alfonso Cuarón, Nobuhiro Suwa e Gus Van Sant. 2005 Realiza o longa-metragem “Dark Water” (Água escura) com Jennifer Connely e Tim Roth, uma refilmagem americana do filme homônimo do diretor japonês Hideo Nakata. 2005 Produz o filme “Hermanas” da diretora Argentina Julia Solomonoff. 2004 Produz o filme “Cidade Baixa” de Sérgio Machado. 2004 Realiza o longa-metragem “Diários de motocicleta” baseado no diário de viagem de Che Guevara com produção do ator americano Robert Redford. O filme é todo falado em espanhol e conta com uma equipe de produção internacional e atores latino-americanos: Gael Garcia Bernal e Rodrigo de la Serna. 2002 Realiza com co-direção de Daniela Thomas os curtas-metragem “Armas e Paz” e “Uma pequena mensagem do Brasil, ou A saga de Castanha e Caju Contra o encouraçado Titanic”. Na frente de um velho cinema, os emboladores Castanha e Cajuzinho desfiam uma embolada extremamente mordaz e engraçada, que não poupa nenhum ídolo de Hollywood: de Stallone, "fortão que tomou um bombão", a Schwarzenegger e Leonardo DiCaprio, o astro do filme Titanic. 2002 Produz os filmes “Cidade de Deus” de Kátia Lund e Fernando Meirelles e “Madame Satã” de Karim Ainouz. 2001 Participa do documentário “Onde a terra acaba” de Sérgio Machado sobre o cineasta Mario Peixoto e sua obra máxima e um clássico do cinema nacional “Limite” de 1930, o qual Salles nutre uma admiração especial. 2000 Realiza o longa-metragem "Abril Despedaçado". Co-roteiro com Sérgio Machado, Karim Ainouz baseado no romance homônimo de Ismail Kadaré. Com Rodrigo Santoro e José Dumont. 1999 Realiza com co-direção de Daniela Thomas o curta-metragem “Adão ou Somos todos filhos da terra”. Morador da favela do Cantagalo, no Rio de Janeiro, Adão Xalebaradá é compositor de mais de 500 músicas e nunca foi gravado no Brasil. 1998 Realiza o longa-metragem “Central do Brasil”, cujo roteiro de Marcos Bernstein e João Emanuel Carneiro baseado no argumento de Walter Salles ganhou o Prêmio “Cinema 100”, outorgado pelo Sundance Institute e pela rede de televisão cultural japonesa NHK. O filme recebeu mais de 52 prêmios brasileiros e internacionais. Com Fernanda Torres (indicada ao Oscar de melhor atriz) e Marilia Pêra. 1998 Co-dirige com Daniela Thomas, o média-metragem “Meia-Noite/O Primeiro Dia” com Fernanda Torres e Matheus Nachtgarle. Este filme faz parte da coleção “2000, visto por”, organizada pelo canal de televisão francês, Arte. O roteiro é co-escrito pelos dois cineastas e ainda João Emanuel Carneiro e José de Carvalho. 1995 Dirige o longa-metragem “Terra Estrangeira”, co-realizado com Daniela Thomas, com os atores Fernanda Torres e Fernando Alves Pinto. O filme foi escrito por Walter Salles, Daniela Thomas, Marcos Bernstein e supervisão de diálogos de Millôr Fernandes. 1995 Dirige e roteiriza o documentário curta-metragem “Socorro Nobre”, sobre a troca de cartas entre o escultor polonês Franz Krajcberg e a presidiária baiana, Maria do Socorro Nobre. 1993 Dirige o especial “Tributo a Tom Jobim”, reunindo Gal Costa, Herbie Hancock, Shirley Horn, Joe Hendricks, Ron Carter, Harvey Mason, Gonzalo Rubalcaba, entre outros. 1992/1993 Dirige com José Henrique Fonseca a série de cinco programas “Caetano, 50 anos”, exibida pela Rede Manchete. Roteiro de João Moreira Salles e Arthur Fontes. 1992 Dirige o documentário “João e Antônio”, sobre a Bossa Nova, com Antônio Carlos Jobim e João Gilberto. Exibido pela Rede Globo. 1990 Dirige documentário musical “Chico – No país da delicadeza perdida”, sobre o Rio de Janeiro e o compositor Chico Buarque de Holanda, co-produzido pela rede francesa de televisão FR3, com roteiro e texto de João Moreira Salles. 1989 Realiza seu primeiro longa-metragem “A Grande Arte”, com Peter Coyote e Tcheky Karyo, distribuído nos EUA pela Miramax. 1988 Dirige o Especial Marisa Monte, exibido pela Rede Manchete, que recebe o prêmio Golden de Melhor Programa Musical. 1987 Dirige o documentário “Krajcberg - O Poeta dos Vestígios” sobre o escultor polonês Franz Krajcberg. Roteiro de João Moreira Salles. 1987 Dirige série documental sobre os artistas plásticos brasileiros Tomie Ohtake e Rubens Gerchman, que recebe prêmio de Melhor Série de Televisão no Festival Latino Americano de Cinema e Televisão de Havana. 1987 Supervisiona uma nova série documental de cinco horas sobre a China. 1986 Dirige o documentário de cinco horas Japão. Uma viagem no tempo sobre o conflito entre tradição e modernidade no Japão. 1983/85 Dirige a série “Conexão Internacional” na qual o jornalista Roberto D’Avila entrevista personalidades da cultura e das artes como Jorge Luis Borges, Federico Fellini, Marcello Mastroiani e Vittorio Gassman. Principais Prêmios- Urso de Ouro e Prêmio do Júri Ecumênico, no Festival de Berlim, por Central do Brasil (1998). - Festival de Cannes, Prêmio François Chalais e do Júri Ecumênico, por Diários de Motocicleta (2004) - Golden Globe de Melhor Filme Estrangeiro, por Central do Brasil (1999). - Indicado ao Oscar de Melhor Atriz e Melhor Filme Estrangeiro, por Central do Brasil (1999). - Sundance Film Festival, prêmio Cinema 100 e NHK pelo roteiro de Central do Brasil (1996). - BAFTA de Melhor Filme Estrangeiro, por Central do Brasil (1998) e por Diários de Motocicleta (2005). - Margarida de Prata por Terra Estrangeira (1996), por Central do Brasil (1998) e por Abril Despedaçado (2002). - Prêmio APCA dos críticos paulistas de melhor diretor e melhor filme por Central do Brasil (1999).- Grande Prêmio Cinema Brasil de melhor direção e roteiro, por O Primeiro Dia (1998). - Melhor documentário no FIPA D’OR, França, por Socorro Nobre (1995). - Prêmio Rencontre Internacionale du Cinema à Paris, por Terra Estrangeira (1995). - Melhor documentário no Festival dei Popoli, Itália, por Krajcberg - O Poeta dos Vestígios (1986). BibliografiaAnálise fílmicaMOURA, Hudson. L’Image-exil. Tese de doutorado em cinema e literatura defendida na Université de Montréal, Canadá, julho de 2002. CrônicasWalter Salles, Folha de São Paulo, 1999-2003. Entrevistas concedidas aJurandir Freire Costa. “Um filme contra o Brasil indiferente”, Folha de São Paulo, 29/03/98, Mais!, pp. 5-7. Marcelo C. Araújo, “Walter Salles” In: O cinema da retomada. Depoimento de 90 cineastas dos anos 90.” Rio de Janeiro, editora 34, 2002, pp. 416-422. Sylvie Debs. Un entretien avec Walter Salles, entrevista realizada em francês no Rio de Janeiro em julho de 1999. (cópia cedida pelo entrevistado) Wagner Carelli, Revista República, 23/10/1998. (cópia cedida pelo entrevistado) RoteirosCARVALHO, Walter et alli. Terra Estrangeira. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1997. MULLER, Anna Luiza e BUTCHER, Pedro. Abril Despedaçado. História de um filme e roteiro. São Paulo, Cia das Letras, 2002. SALLES, Walter. Central do Brasil. São Paulo, Objetiva, 1998. THOMAS, Daniela et alii. Terra Estrangeira : roteiro. Rio de Janeiro, Rocco, 1996. |
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